Morto por leoa, velório de “Vaqueirinho” contou com a presença de apenas 2 pessoas
Vaqueirinho foi sepultado na presença de apenas dois familiares, e novos detalhes sobre sua história chamam atenção. Após uma vida marcada por abandono e pela falta de tratamento adequado para sua condição mental, o jovem Gerson de Melo Machado, de 19 anos, teve uma despedida solitária nesta segunda-feira, 1º de dezembro.
Conhecido como “Vaqueirinho”, ele foi enterrado no Cemitério do Cristo, em João Pessoa, acompanhado somente pela mãe — que também enfrenta esquizofrenia — e por uma prima. Reportagens do jornal O Globo e do G1 revelam o drama familiar e a trajetória de negligência que o acompanhou desde a infância. Maria da Penha Machado, sua mãe, perdeu o poder familiar há mais de dez anos e precisou reconhecer o corpo do filho no IML antes do enterro rápido.
Com sua morte, a história de vulnerabilidade extrema voltou à tona. Separado cedo da família, Gerson viu seus irmãos serem adotados, enquanto ele permaneceu em abrigos, rejeitado devido aos sintomas psiquiátricos que nunca receberam atenção especializada. De acordo com a conselheira tutelar Verônica Oliveira, o jovem fugia repetidamente das instituições para procurar a mãe, numa busca incansável por afeto que o Estado jamais conseguiu suprir.
A prima Ícara Menezes resume o desamparo vivido por Gerson. “Ele sempre procurou a mãe querendo amor […] Nunca foi um menino de assaltar ou usar drogas”, relatou. Com o tempo, ele passou a provocar a própria prisão, atirando pedras em viaturas porque acreditava encontrar no presídio um lugar mais seguro, onde teria comida e proteção.
Desde pequeno, Gerson alimentava a fantasia de ir à África “domar leões”, sonho que se transformou em obsessão. Em uma ocasião, chegou a entrar no trem de pouso de um avião, tentando realizar essa aventura imaginada. No domingo, 30 de novembro, ele invadiu o recinto da leoa no Parque Arruda Câmara, acreditando estar vivendo sua fantasia, e acabou fatalmente atacado.
O parque permanece fechado enquanto o Ministério Público investiga como falhas na rede de proteção permitiram que um jovem inimputável e sem tratamento adequado vivesse completamente à deriva. A leoa Leona não será sacrificada, conforme confirmaram as autoridades responsáveis pelos cuidados dos animais; ela se recupera do estresse causado pelo episódio.
O caso reacendeu debates sobre a urgência de políticas públicas mais eficazes para pessoas em situação de vulnerabilidade extrema, especialmente jovens com transtornos mentais que ficam sem suporte familiar e institucional. Especialistas apontam que a trajetória de Gerson poderia ter sido diferente caso houvesse acompanhamento contínuo e integrado entre assistência social, saúde mental e rede de acolhimento.
Organizações de direitos humanos também destacam que episódios como esse revelam falhas estruturais que se repetem há anos. Segundo essas entidades, não basta oferecer abrigo — é fundamental garantir tratamento, apoio afetivo e acompanhamento profissional permanente, especialmente para crianças e adolescentes que apresentam transtornos psiquiátricos. Sem isso, muitos acabam se tornando invisíveis até que tragédias aconteçam.
A história de Vaqueirinho, agora conhecida em todo o país, passa a simbolizar não apenas uma vida perdida, mas um alerta sobre a necessidade de mudanças profundas. Sua morte expõe o custo humano de décadas de omissão e levanta perguntas sobre quantos outros jovens seguem hoje pelo mesmo caminho silencioso, sem que ninguém perceba até que seja tarde demais.
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